Por Lula Moura
(Escrito no ano de 2002)
Um encontro com o Daniel nos corredores da Empresa em que trabalhamos me fez viajar no tempo, voltando mais de trinta anos, caindo lá pelos idos de 1968.
O papo começou com a Copa do Mundo que está sendo realizada no Japão-Coréia e a baixa qualidade (opinião nossa) das Seleções que lá estão. A começar pela brasileira, apesar da boa campanha. Estou escrevendo na véspera da final com a Alemanha, que pode tê-la levado ao título, e espero que sim. Não “Penta”, pois isso somente se fosse a quinta Copa consecutiva.
Da Copa fomos para a cozinha, e caímos no futebol doméstico, mais precisamente do nosso Rio de Janeiro, onde eu dizia que já fazia algum tempo que não via o meu Vasco tão caído assim, com poucos jogadores de categoria e mal na tabela (ou “pelas tabelas”). O Daniel respondeu dizendo que já não podia dizer o mesmo porque o seu Botafogo já não monta um grande time há anos, e que já viu muitos times ruins.
Disse a ele que nos meus primeiros anos como torcedor do Vasco eu vi times fracos, mas sempre com muita garra. Ele lembrou que já viu times do tipo “fraco” serem campeões e times bons não o serem. Concordei, pois realmente isso é um dos ingredientes que fazem o Futebol ser a Paixão que é.
Lembrei de um episódio ainda criança, nos primeiros anos começando a torcer pelo Vasco. Ele não era campeão carioca há bastante tempo e iria realizar a final de 1968, justamente com o Botafogo do Daniel (que eu não conhecia na época). Aliás, já apresentei o Daniel a você? Não? Então, permita-me:
-Daniel, este aqui é o Leitor (gostou da letra maiúscula?).
-Leitor, este aqui é o Daniel… e abaixo, a história que lhe contei.
— x —
Estranha saudade, Paralelo Rio, 1968.
O País estava em plena ditadura, à beira de um AI-5 castrador. O choro e a indignação aguçavam a criatividade cultural. Mais um Festival da Canção, Tropicália, Bossa Nova, Jovem Guarda, etc… Caminhando, cantando e seguindo a canção.
Alheio a isso tudo, no meio disso tudo, por causa disso tudo, ou apesar disso tudo, estava lá ele, o Futebol. Eu, um menino dos meus nove anos, sem olhos para perceber o lado duro do referido ano, encontrava-me sendo seduzido pela arte deste esporte, me apaixonando totalmente.
Meu Pai é Vasco, por isso me tornei também, não que tenha me obrigado. Ele não era disso. Na verdade, foi aquela coisa do herói que geralmente identificamos no cara. E eu não fugi a regra.
Naquela semana o Vasco decidiria o Campeonato Carioca de 1968, um campeonato ainda sério, de dois turnos com “pontos corridos” (coisa que no Brasil já não se pratica), contra um tal Botafogo, que tinha um timaço com vários jogadores que se tornariam campeões do mundo, dois anos depois pela seleção brasileira, de um certo Pelé. Meu Vasco era um time, por assim dizer, limitado. Isso, porém, não tirava o ânimo dos torcedores. Eles se mobilizaram como nunca. Afinal, há quase dez anos não curtiam um título e essa seria a grande oportunidade.
A semana era um alvoroço só. Na pequena gráfica do meu pai, todo papel que sobrava era picado e guardado, para um grupo de torcedores vascaínos da rua que não perdiam um jogo. Eu estava doido para ir, mas meu pai tinha dois motivos para não me levar: Primeiro achava arriscado levar um garoto de nove anos ao estádio (Maracanã) numa final. Depois, mantendo a tradição dos torcedores de futebol, ele iria respeitar a superstição. Na última vez que o Vasco fora campeão, ele estava na casa de um amigo em Duque de Caxias (cidade vizinha ao Rio de Janeiro) e agora tinha de ir para lá.
O dia do jogo chegou e lá fomos nós pra Caxias. No caminho já vimos o movimento na cidade, com pessoas uniformizadas com as camisas dos times que fariam a grande final. O forte Botafogo contra um Vasco limitado (se não fosse meu time, eu diria: fraco). Mas eles iam ver só, nem sempre vence o time tecnicamente melhor… (me diria o Daniel trinta e tantos anos depois)
Ao chegarmos em Caxias, constatamos que o tal amigo do “velho” havia trocado de endereço. Meu pai, com sua mania de surpreender parentes e amigos, não se preocupou em avisá-lo. Ótimo, pensei. E agora? As coisas não haviam começado bem. Tivemos que ficar pelas ruas de Caxias (o cara não tinha telefone fixo e ainda não havia sido inventado o celular). Voltar, nem pensar. Afinal, o Vasco tinha sido campeão, há dez anos, com meu pai por aqui.
A hora do jogo chegou, meu pai ligou seu rádio-de-pilha, e começamos a acompanhar a partida. O jogo foi transcorrendo e, gol do Botafogo. Começou a chover. Passaram-se mais alguns minutos e, gol do Botafogo. A chuva aumentou… Bom, não vou ficar aqui detalhando a tragédia. O Botafogo venceu por quatro a zero, e nós ficamos todos molhados no meio da rua. Senti-me traído. Traído pelo destino. Traído pela superstição. Traído pelo Daniel que só iria conhecer trinta e tantos anos depois…, mas, tudo bem. A fidelidade ao time que escolhemos deve ser inabalável. Paixão. Tipo aquele papo de casamento na igreja: “Na alegria e na tristeza…”.
E estamos vivendo felizes para todo o sempre: Eu, o futebol e meu Vasco…